UM DUELO COM O SOLENE ATO DE VIVER
"Somos conduzidos para um mundo de poesia
impossível de descrever com palavras"
KAZUO OHNO (27 de outubro de 1906 - 1 de junho de 2010)
Kazuo Ohno
Foto: Joao Butoh
"Sempre que começo o Butoh, sinto uma hesitação, por não saber por onde começar.
Mesmo quando pensamos sobre o que é "viver", vemos que normalmente o Butoh se preocessa num inter-relacionamento de duas atitudes, aparentemente opostas, que coexistem: a humanitarista, baseada em amor profundo e altos ideais; a realista, fundamentada nos desejos e necessidades mais diretas. Penso que o Butoh não teria existência própria, se o separássemos do ato de viver. Mas, por mais que se diga isso, não consigo deixar de hesitar todas as vezes que deparo com a questão: por onde começar? Começo sem sentir que essa hesitação significaria negar, sob um aspecto, o viver. Só posso concluir que é exatamente nesse processo denso da vida e nas situações de hesitação está o real começar do Butoh.
O Butoh começa nos movimentos cotidianos do corpo. Quando aparece alguém querendo fazer Butoh, sempre digo que isso levaria pelo menos cinco anos.
Durante esse período, o aprendizado se realiza embasado não se sabe se na constante conscientização da análise e síntese dos movimentos do próprio corpo ou se no aprofundamento do conhecimento sobre o processo de viver, se em nenhum dos dois ou em ambos.
Kazuo Ohno
Foto: Joao Butoh
A sabedoria de viver, o respeito à vida, tanto de si como a de outros, o reconhecimento da Natureza, são temas que vão surgindo no processo do aprendizado. As dores de uma existência ou então os seus prazeres, os sofrimentos que marcam as nossas próprias vidas, as dádivas da Natureza e a sua destruição são para mim, fenômenos especialmente caros.
Os ferimentos que recebemos nos nossos corpos cicatrizam e se curam com o tempo. Os ferimentos que recebemos no nosso âmago, se aceitos e contemporizados, farão nascer, ao longo dos anos e das experiências, alegrias ou tristeza que, um dia, nos conduzirão para um mundo de poesia, impossível de expressar por palavras, só por meio do nosso próprio corpo.
Em matéria de se ensinar o Butoh, existem coisas que podem ser ensinadas e outras que não. Suponhamos que estivéssemos conduzindo lições/aulas com o tema "Pai Nosso".
Cada um de vocês tentaria expressar, através do corpo, todos os movimentos que o tema lhes inspiraria. E eu os compreenderia todos, por menores que fossem. Mas o problema começaria dali em diante.
Kazuo Ohno
Foto: Joao Butoh
Para mim, dançar com o único objetivo de fazer os outros entenderem as imagens que o tema evoca é apenas uma questão anterior ao Butoh; o problema se encontra daí para frente.
O importante é sua postura diante da vida e de sentimentos que decorrerem do processo vivencial, contidos nas verdades do "Pai Nosso". Além disso, a seriedade do viver e de como vocês vão se confrontar com esse problema, constitui o aspecto mais importante. E sobre isso nada posso lhes ensinar. É preciso que cada um de vocês façam uma reflexão. Na minha opinião, vocês devem estar procurando no Butoh uma oportunidade para travar um duelo consciente com o solene ato de viver.
Disse-lhes, antes, que levaria pelo menos cinco anos para aprender o Butoh. Nos simples movimentos que se ensinam nestes primeiros anos e também nos procedimentos do dia-a-dia já se incluem, com certeza, essas coisas que lhes disse, que são impossíveis de se ensinar e de se descrever por palavras."
Kazuo Ohno
Foto: Joao Butoh
A DUEL WITH THE SOLEMN ACT OF LIVING
"we are lead for a world of poetry impossible to describe with words"
"Always that start the Butoh, I feel a hesitation, for not knowing for where to start. Exactly when we think on what it is "to live", we see that normally the Butoh if preocessa in a Inter-relationship of two attitudes, pparently opposing, that coexist: the humanitarista, based on deep love and high ideals; the realist, based on the desires and more direct necessities. I think that the Butoh would not have proper existence, if we separated it of the act of living. But, no matter how hard if it says this, I do not obtain to leave to hesitate all the times that I come across with the question: for where to start? Start without feeling that this hesitation would mean to deny, under a aspect, the life. I only can conclude that it is accurately in this dense process of the life and in the hesitation situations it is the Real to start of the Butoh.
Each one of yours would try to express, through the body, all the movements that the subject would inhale to them. And I would understand them all, for minors who were. But the problem would start from there in ahead. For me, to dance with the only objective to make the others to understand the images that the subject evokes is only one previous question to the Butoh; the problem if finds from there for front.
The important one is its position ahead da life and of feelings that to elapse do existential process, contained nas truths do "Father Ours". Moreover, the seriousness of the life and as yours goes to collate itself with this problem, constitutes the aspect most important. E on this nothing I can teach to them. She is necessary that each one of yours makes a reflection. In my opinion, vocês must be looking in the Butoh a chance to stop a conscientious duel with the solemn act of living.
The Butoh starts in the daily movements of the body. When he appears somebody wanting to make Butoh, always I say that this would take at least five years. During this period, the learning if carries through based does not know if in the constant awareness of the analysis and synthesis of the movements of the proper body or if in the deepening of the knowledge on the process of living, if in none of the two or both.
The wisdom of living, the respect to the life, as much of itself as of others, the recognition of the Nature, is subjects that go appearing in the process of the learning. Pains of an existence or then its pleasures, the sufferings that mark our proper lives, the gifts of the Nature and its destruction are for me, especially expensive phenomena.
The wounds that we receive in our bodies heal and if they cure with the time. The wounds that we receive in inside yourself , if accepted and really accepted inside of you, will make to be born, to the long one of the years and of the experiences, joys or sadness that, one day, in will lead them for a poetry world, impossible to express for words, only by means of our proper body.
In substance of if teaching the Butoh, things that can be taught and others exist that not. Let us assume that we were leading lessons/classes with the subject "Father Ours".
It said to them, before, that it would take at least five years to learn the Butoh. In the simple movements that if teach in these first years and also in the procedures of day-by-day already they are included, with certainty, these things that it said to them, that they are impossible of if teaching and if describing for words."