Em 1995, fizemos a estréia nacional do espetáculo "A Rosa de Hiroshima" em Porto Alegre-RS, na Casa de Cultura Mário Quintana. Na oportunidade, oferecemos à Casa, uma oficina de dança butoh, como é de praxe fazermos nos locais de nossas apresentações. (Em 1994, estivemos no mesmo local com o espetáculo "Dusting Powder To You, Elis", e fizeram oficina na época cerca de 30 pessoas.)
Desta vez, houve uma certa confusão, a respeito ou não da realização da oficina e da liberação do espaço para que a mesma pudesse ser realizada. Em meio aos contratempos, e dos desencontros veículados na mídia, apareceram então duas pessoas para participarem da oficina. Uma destas pessoas, Maria Ximena Ruiz-Tagle, uma chilena que reside em Porto Alegre, após algum tempo da realização da oficina e também finalizada a temporada da "Rosa", me enviou uma carta.
Esta carta, é uma síntese dos trabalhos realizados nos Taxons Butoh. E é importante trazer ao conhecimento de nossos amigos e associados, porque esta declaração partiu de alguém que participou da oficina e fala das impressões que teve como participante. São declarações como esta, que nos fortalece e nos desperta para a importância e a necessidade da Ogawa na arte de ensinar.

(João Roberto de Souza)





Poa, Junho – 95

João Roberto,

Sua dança alimentou minha alma...,
Onde começa um espetáculo ?
Onde começam as emoções ?
O dançarino leva sua vida, sua alma, sua mente, com profunda dor; alegrias... e devoção.
Não existe divisão entre você e sua dança, nada começa, nada termina; isto é algo muito precioso: pois reflete "verdade" e "pureza"; muito diferente do teatro, onde as pessoas representam.
O fato de você Ter dado aula para Marcos e eu; reflete também o seu respeito e amor pelo ser humano. Nós dois nos encontramos várias vezes, com um forte desejo de saber sobre dança Butoh. Para mim o seu encontro foi muito importante. As emoções são algo muito delicado; pois se acumulam por milhares de anos na nossa mente; e elas sempre nos surpreendem quando se manifestam; tanto na sua aula como na sua obra; senti um forte desejo de chorar e fiquei "engulindo" para não deixar aparecer aquilo que eu mesma não compreendo.
A "Rosa de Hiroshima" era tudo quanto eu precisava ver, responder a você: "gostei"; era demasiado vago para todo o que eu estava sentindo; o silêncio podia responder melhor naquele momento; inclusive ali no camarim não senti sua apresentação por terminada; pois você sozinho era mais um "quadro" que representa força , não dependência; solidão; luta e finalmente "plenitude" de Ter transcedido os obstáculos. Tudo isso tinha muito a ver com o seu trabalho no palco.
Seu trabalho é perfeito. Agora posso lhe responder:
"Gostei de sua arte"
"Gostei da sua pureza"
"Gostei da sua profundidade"
Gostei de você que é o mesmo.
A gente é tudo e nada também; assim como você nos falava dos contrastes; somos deuses e também o vazio absoluto; mais tudo é mesma coisa; todos os contrastes existem dentro de nós; isto é muito belo e você sabe manifestá-lo.
Eu posso apertar meu choro até sumir dentro de mim; mas não posso tirar "você, sua dança" de minha mente. Eu queria tanto aprender com você não sei como nem quando; mais esse é meu desejo.
Quero lhe contar algumas coisas para você me guiar, entrei em contato com aquele grupo de dança teatro e possivelmente no outro mês tomarei aulas com Eneida.
Nunca fui boa dançarina; fiz faculdade durante 4 anos (no Chile) e minha situação foi muito polêmica; pois alguns professores alegavam que eu não tinha técnica(detesto as coisas mecanizadas) e outros diziam que minha criatividade poderia me levar a fazer muitas outras coisas interessantes no campo da dança; e neste conflito consegui me formar. Vim para o Brasil porque senti que minha pesquisa estaria entre África e Oriente, viví muitos anos na Bahia tentando me aprofundar ao máximo na cultura negra; tive oportunidade de estar na Índia e embora suas danças tão devocionais e delicadas (ao mesmo tempo de muita força) me cativaram, não me completaram; mais logo perto do Tibet; na terra que a Índia doou aos exilados, senti que estava perto; daquilo que me completa; senti vontade de ficar por lá; mas tenho meu marido e filhos que sempre me "acordam" à realidade. O cartão que mando a você é o presente mais especial que poderia lhe dar; pois o guardo como algo "precioso", um povo sofrido onde fugindo pelos himalaias muitos morrem no caminho, mas eles são fortes, saudáveis; há a certeza que "Deus" parece abrir todos os seus caminhos. Neste quadro esteja talvez o ponto de partida daquilo que eu gostaria algum dia expressar através da dança e a plástica.
Sua dança me completou, você utiliza aqueles "quadros da vida", a luz, os detalhes, tão sutil como a luz passando pela palha (seu 1º quadro), o rosto oculto......As mãos, nada mais lindo que as mãos para expressar a profundidade contida, vejo as mãos como dançarina em si mesmas; elas tem a capacidade de fazer seu próprio espetáculo, elas parecem se conectar a nosso ser mais íntimo. Você sabe utilizá-las com beleza e originalidade, através delas você pode falar num "som" muito delicado. Parece que sua criação permanece viva na minha mente.
Bom, acho que falei demais; mais porque não lhe disse o que sinto, tenho certeza que seu objetivo (mesmo inconsciênte) esteja muito além de produzir "emoções"
Me mande algumas fotos, eu gosto de olhar suas fotos dançando, me faz bem; me dá certeza do que busco, e me dá também uma certa paz. (Sorry; mas eu tirei sua foto do painel; não fique zangado, ok?) era linda demais para deixá-la ali. Se tiver xerox de material sobre butoh; e tudo quanto você achar interessante pode me mandar. Gostaria também saber sobre cursos contínuos em SP e de preferência sobre seus cursos. Quando tiver aqueles encontros e seminários de dança butoh* (você falou alguma coisa sobre isso) me avisa, gostaria de receber o máximo de informações, e o mais importante. Vai demorar muito para voltar aqui ?
Beijos
Ximena.

* o comentário neste parágrafo diz respeito aos Taxon's Butoh.

Este é o cartão que Ximena nos enviou.
This card who Ximena send to Ogawa.

In 1995, we made the national premiere of the spectacle "The Rose of Hiroshima" in Porto Alegre-RS, in the House of Culture Mário Quintana. In the chance, we offer the House, a dance workshop butoh, as it is of custom to make in the places of our presentations. (In 1994, let us stow in the same place with the spectacle "Dusting Powder To You, Elis", and had made workshop about 30 people at the time.)
Of this time, it had a certain confusion, the respect or not of the accomplishment of the workshop and the release of the space so that the same one could be carried through. In way to the misfortunes, and them failures in meeting published in the newspapers, had appeared then two people to participate of the workshop. One of these people, Maria Ximena Ruiz-Tagle, a Chilean who was inhabiting in Porto Alegre, after some time of the accomplishment of the workshop and also finished the season of the "Rose", sent me a letter.
This letter, is a synthesis of the works carried through in the Taxons Butoh. E is important to bring to the knowledge of our friends and associates, because this declaration left of that it participated of the workshop and it speaks of the impressions that had as participant. They are declaration as this, that in fortifies them and awaken for the importance and the necessity of the Ogawa in the art to teach.

(João Roberto de Souza)





Poa, June – 1995

João Roberto,

Its dance fed my soul...,
Where a spectacle starts?
Where the emotions start?
The dancer takes its life, its soul, its mind, with deep pain; joys... and devotion.
Division between you does not exist and its dance, nothing start, nothing finish; that is something very precious: therefore it reflects "truth" and "pureness"; very different of the theater, where the people represent.
The fact of you To have given to lesson for Landmarks and I; it also reflects its respect and love for the human being. We two in them find some times, with a strong desire to know on Butoh dance. For me its meeting was very important. The emotions are something very delicate; therefore they are accumulated for thousand of years in our mind; e they always in surprise them when they disclose themselves; as much in its lesson as in its workmanship; I felt a strong desire to cry and was "swallowing" not to leave to appear what same I do not understand.
The "Rose of Hiroshima" was everything how much I needed to see, to answer you: "I liked"; he was too much vacant for all what I was feeling; silence could answer better at that moment; also in the dressing-room there I did not feel its presentation for finished; therefore alone you it was plus a "picture" that represents force, not dependence; solitude; fight and finally "fullness" To have transpose the obstacles.
Everything this had much to see with its work in the stage.
Its work is perfect. Now I can answer to it:
"I liked its art"
"I liked its pureness"
"I liked its depth"
I liked you that it is the same.
People are everything and nothing also; as well as you in she said them of the contrasts; we are gods and also the absolute emptiness; plus everything it is same thing; all the contrasts exist inside of us; that is very beautiful e you know to reveal it.
I can press mine I cry until disappearing inside of me; but I cannot take off "you, its dance" of my mind. I in such a way wanted to learn with you I do not know as nor when; plus this it is my desire.
I want to count some things to it for you to guide itself, entered in contact with that group of dance theater and possibly in the other month I will take lessons with Eneida.
I was never good dancer; I made college during 4 years (in Chile) and my situation was very controversial; therefore some professors alleged that I did not have technique(detest the mechanized things) and others said that my creativity could take me to make many other interesting things in the field of the dance; e in this conflict I obtained to form me. I came to Brazil because I felt that my research would be between Africa and East, I lived many years in the Bahia trying to deepen me to the maximum in the black culture; I had chance to be in India and even so its so devocionais and delicate dances (at the same time of much force) had captivated me, had not completed me; more soon close to the Tibet; in the land that India donated the exiled ones, I felt that it was close; of that complete me; I felt will to be for there; but I have my husband and children who always "wake up me" to the reality. The card that control you is the gift more special than could give to it; therefore I keep as something to it "precious", a suffered people where running away for the himalaias many they die in the way, but they are strong, healthful; she has the certainty that "God" seems to open all its ways. In this picture it is perhaps the starting point of that I would like some day to express through the dance and the plastic.
Its dance completed me, you uses those "pictures of the life", the light, the details, so subtle as the light passing for the straw (its 1º scene), the occult face...... the hands, nothing prettier than the hands to express the contained depth, I see the hands as dancer in itself same; they have the capacity to make its proper spectacle, they seem to connect our closer being. You know to use them with beauty and originality, through them you you can speak in a "very delicate sound". It seems that its creation remains alive in my mind.
Good, I find that I spoke excessively; more because it did not say to it what I feel, I am certain that its objective (exactly unconscious) is very besides producing "emotions"
orders some photos to Me, I taste of looking at its photos dancing, makes me well; it gives certainty to me of that I search, and it also gives a certain peace to me. (Sorry; but I took off its photo of the panel; he is not angry, ok) she was pretty excessively to leave it there. If he will have material Xerox on butoh; e everything how much you to find interesting can order me. It would also like to know on continuous courses in SP and of preference on its courses. When it will have those meeting and dance seminaries butoh * (you it said some thing on this) informs to me, it would like to receive the maximum from information, and most important. It goes to delay very to come back here?
Kisses
Ximena.

* the commentary in this paragraph says respect to the Taxon's Butoh.

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